Paul Doumer na Associação Comercial de Santos: a visita do estadista que se tornaria presidente da França

Quando Paul Doumer esteve na Associação Comercial de Santos, em 17 de setembro de 1907, encontrou ali uma entidade organizada e influente, um símbolo do dinamismo econômico da principal praça exportadora de café do mundo. O estadista francês — que anos mais tarde se tornaria Presidente da República da França (1931–1932) — registrou no livro de honra da instituição palavras de admiração pela cidade e por seu porto, deixando clara a forte impressão que sua passagem pela ACS lhe causara. Recebido com cordialidade pelos dirigentes, ouviu discursos, foi homenageado com brindes e retribuiu destacando o papel fundamental de Santos no cenário internacional, sobretudo pela pujança do comércio cafeeiro. Ali, na ACS, se estabeleceu então o ponto alto de sua visita: o reconhecimento explícito de uma das maiores lideranças políticas da França quanto à importância estratégica da cidade e de sua entidade empresarial mais influente.

Visita à cidade e ao Porto de Santos

A recepção oficial de Paul Doumer começou logo cedo, quando seu trem especial chegou à gare da São Paulo Railway. Autoridades municipais, representantes consulares, dirigentes públicos e figuras ilustres aguardavam o estadista, enquanto a Banda Municipal executava os hinos da França e do Brasil. Em seguida, a comitiva dirigiu-se aos primeiros pontos de observação do porto, iniciando um amplo giro pela estrutura administrada pela Companhia Docas de Santos.

Doumer embarcou no rebocador Santos para percorrer a baía e examinar de perto cais, armazéns e oficinas. Visitou as instalações da Docas nos Outeirinhos, observou o funcionamento das máquinas e demonstrou vivo interesse pelo nível técnico e operacional do porto, considerado então um dos mais modernos da América do Sul. A visita seguiu em ritmo intenso, sempre acompanhada por autoridades brasileiras e francesas, que lhe apresentavam cada detalhe da infraestrutura portuária.

Recepção oficial no Hotel Internacional

Enquanto aguardava a chegada do navio Ceará — que traria delegações e familiares do Barão do Rio Branco — Paul Doumer foi conduzido ao Hotel Internacional, no José Menino, onde a Câmara Municipal lhe ofereceu um almoço oficial. O ambiente foi ornamentado especialmente para o evento, e a Banda Municipal voltou a executar os hinos nacionais à sua entrada. No banquete, brindes foram trocados entre autoridades santistas e o visitante, que novamente expressou admiração pela cidade, pela organização administrativa e pela hospitalidade recebida.

Reconhecimento na Associação Comercial

Após o almoço, Doumer retornou ao centro para visitar a Associação Comercial de Santos, onde percorreu as dependências reformadas, examinou plantas dos projetos recentes e registrou em francês sua impressão no livro de honra. Recebeu um brinde em nome da entidade, respondendo com discurso elegante no qual exaltou não apenas o progresso do porto, mas a importância da ACS como força representativa do comércio brasileiro no exterior. Manifestou reconhecimento pelo papel da cidade no desenvolvimento econômico internacional, sobretudo como maior exportadora de café.

Despedida e partida no navio Ceará

Encerradas as visitas oficiais, Paul Doumer seguiu para o cais, onde embarcou novamente no rebocador Santos, desta vez para alcançar o Ceará, fundeado diante do armazém n.º 6. A bordo estavam autoridades brasileiras, representantes do Lloyd, diplomatas e os filhos do Barão do Rio Branco. O encontro marcou o final de sua permanência em Santos.

Ao anoitecer, por volta das 19 horas, o Ceará recolheu âncoras e partiu rumo ao Paraná. Da amurada, Doumer despediu-se com gratidão pela acolhida, levando consigo uma visão nítida da relevância do porto de Santos e da solidez institucional de sua Associação Comercial.

Sua visita, registrada com destaque pela imprensa da época, permanece como um dos episódios mais significativos das relações entre Santos e a diplomacia francesa — e um dos momentos em que a cidade foi reconhecida por aquele que se tornaria um dos líderes máximos da República Francesa.

Doumer em 1931, enquanto presidente da França.

Quem foi Paul Doumer?

Joseph Athanase Paul Doumer (1857–1932) foi um dos mais destacados políticos franceses do início do século XX. Nascido em Aurillac, na região de Cantal, Doumer construiu sua carreira apoiado em sólida formação intelectual: trabalhou como professor, jornalista e economista antes de ingressar na vida pública. Sua trajetória política começou como deputado e, posteriormente, como senador, sempre associado a posições republicanas firmes, defensor da descentralização e da modernização administrativa da França.

Uma das fases mais expressivas de sua carreira ocorreu quando assumiu o governo da Indochina Francesa, entre 1897 e 1902. Nesse período, implementou reformas profundas na infraestrutura e na administração colonial, buscando ampliar a arrecadação, melhorar o sistema de transportes e integrar economicamente a região sob o domínio francês. A experiência asiática consolidou sua reputação como administrador habilidoso, embora seu estilo centralizador tenha provocado críticas contemporâneas.

De volta à França, Doumer ocupou cargos de destaque, incluindo a presidência da Câmara dos Deputados e, posteriormente, a presidência do Senado. Durante a Primeira Guerra Mundial, perdeu quatro de seus cinco filhos no conflito — um drama pessoal que fortaleceu sua imagem pública como figura de resistência nacional. Após a guerra, continuou atuando como voz influente nos debates sobre reconstrução e finanças públicas.

Em 1931, após décadas de atuação política, Paul Doumer foi eleito Presidente da República Francesa. Sua gestão, no entanto, foi abruptamente interrompida. Em 6 de maio de 1932, durante a abertura de uma exposição de livros no Palais de la Légion d’Honneur, Doumer foi alvo de um atentado cometido por Paul Gorguloff, um imigrante russo. O presidente faleceu no dia seguinte, encerrando tragicamente um mandato que mal se iniciara. Seu assassinato chocou a França e marcou profundamente o cenário político da época.

Lembrado como homem austero, disciplinado e firme em suas convicções, Paul Doumer deixou uma trajetória singular: de professor provinciano a chefe de Estado de uma das maiores nações do mundo, passando por funções diplomáticas, coloniais e parlamentares. Sua vida expressa, ao mesmo tempo, as aspirações e as tensões da França republicana da virada do século XX.

Leitura mais próxima obtida
“Je suis heureux de me trouver à l’Associação Commerciale d’une ville créée pour le commerce, qui vit de commerce, grande et prospère par le commerce.
Santos, 17 Sept. 1907
Paul Doumer”

“Estou feliz por me encontrar na Associação Comercial de uma cidade criada para o comércio, que vive do comércio, grande e próspera pelo comércio.
Santos, 17 de setembro de 1907
Paul Doumer”

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