Em fevereiro de 1964, a Junta Comercial do Estado de São Paulo aprovou, em sessão extraordinária especial, a nova Consolidação dos Usos e Costumes sobre Café na Praça de Santos. O documento, composto por 78 artigos, atualizou as práticas normativas adotadas no mercado cafeeiro santista, refletindo as mudanças operacionais ocorridas desde a última versão consolidada, em 1956. A medida foi conduzida com apoio técnico da Associação Comercial de Santos (ACS), que era responsável por liderar o processo de revisão em diálogo com representantes da cadeia produtiva do café.
Desde o final do século XIX, os negócios de café na cidade de Santos, principal porto exportador do produto, exigiam a adoção de práticas comerciais específicas. A primeira manifestação oficial de reconhecimento desses costumes pela Junta Comercial ocorreu em 1899, por meio do assento nº 1. Com o tempo, consolidou-se a compreensão de que tais práticas, reiteradas e aceitas pelos agentes do mercado, deveriam ser reconhecidas formalmente como fonte subsidiária do direito comercial.
A primeira grande sistematização dos usos e costumes ocorreu em 1938, com a publicação da Resolução nº 3 da ACS, composta por 104 artigos, que foi aprovada e registrada em 1940. Essa versão vigorou por mais de uma década, sendo parcialmente modificada em 1954 e ratificada dois anos depois. No entanto, a crescente complexidade das operações e o surgimento de novas formas contratuais, como as entregas diretas, tornaram necessária uma revisão mais ampla.
O trabalho da Comissão e o novo texto aprovado
O processo de revisão da Consolidação dos Usos e Costumes teve início formal em 1962, quando a presidência da Junta Comercial determinou ampla consulta pública sobre o anteprojeto elaborado com base nas sugestões da ACS. O texto foi publicado no Diário Oficial em 14 de dezembro daquele ano, abrindo-se o prazo de 90 dias para manifestações de entidades e interessados. A comissão responsável pelos trabalhos foi presidida pelo jurista Kamel Miguel Nahas e contou com assessoria jurídica da ACS, sob coordenação do Prof. Dr. Olavo de Paula Borges.
Durante o processo, foram realizadas averiguações e consultas junto a operadores do setor, comissários, corretores e representantes da Bolsa Oficial de Café e Mercadorias. O resultado foi a proposição de 17 alterações significativas em relação ao texto de 1956, incluindo a supressão de artigos que haviam se tornado obsoletos, a reformulação de dispositivos relacionados à corretagem, à entrega direta de café e às obrigações decorrentes das transações. Um dos novos artigos estabeleceu prazo de 72 horas para a retirada de café declarado “em condições de embarque”, com definição clara sobre a responsabilidade por eventuais serviços posteriores.
Em 19 de fevereiro de 1964, a Junta Comercial reuniu-se em sessão extraordinária especial, com quórum total dos vogais, para votar o novo texto artigo por artigo. A aprovação foi unânime. O presidente da Junta, Dr. Augusto Pereira, registrou a relevância do ato como um marco regulatório para a maior praça cafeeira do país. O Secretário da Justiça, Prof. Miguel Reale, acompanhou pessoalmente o desdobramento do processo e determinou sua publicação oficial no Diário Oficial do Estado em 23 de abril de 1964, por meio do Ato nº 21.
Principais dispositivos e impactos no comércio cafeeiro
A nova consolidação abordou em profundidade temas como o adiantamento de numerário ao comitente, a requisição e pesagem de amostras de café, a definição dos encargos sob a rubrica “carreto”, o cálculo das comissões dos comissários e a responsabilidade nos contratos de entrega direta. Também foi regulamentado o uso da sacaria oficial de exportação, com fixação de padrões pela Comissão do Saco e Barbante da ACS, bem como as condições para substituição, reensaque e penalidades por descumprimento.
As regras sobre liquidações antecipadas, descontos, juros, vencimentos de faturas, responsabilidades fiscais e encargos com armazenagem foram igualmente atualizadas. A prática comum de retenção de mercadoria por parte dos comissários, como garantia de crédito, foi formalizada com base na presunção de conexão entre a dívida e os bens retidos. A consolidação também tratou dos direitos do comprador em dias considerados feriados e do procedimento para aceitação ou recusa de amostras em entregas diretas.
A clareza normativa conferida pelo documento trouxe maior previsibilidade ao mercado, facilitando a solução de controvérsias e fortalecendo a segurança jurídica nas operações. Com a publicação oficial e o arquivamento do processo nº 331.790-63-SJ como documento diverso, a Junta Comercial atendeu integralmente ao que determinava o Decreto Federal nº 596, de 1890, sobre o reconhecimento de normas consuetudinárias no comércio.
A nova Consolidação reafirmou o papel da Associação Comercial de Santos como protagonista na mediação entre prática e norma. A diretoria então empossada — presidida por Renato Freitas Levy e composta por nomes como Herculio Camargo Barbosa, José Procópio Lima Azevedo, Luis Baddini, Alberto Ferreira dos Santos, entre outros — conduziu o processo com apoio técnico e político, promovendo um modelo de regulação baseado na escuta dos agentes da praça.
Com sua edição, a Consolidação dos Usos e Costumes de 1964 tornou-se uma referência para a organização das relações jurídicas no comércio de café de Santos, dando continuidade a uma tradição iniciada no século XIX e reafirmando o protagonismo da cidade no cenário internacional da cafeicultura.