O “pai” da imigração japonesa no Brasil visitou a ACS antes da chegada dos primeiros imigrantes

Antes da chegada do navio Kasato Maru, em 1908, o ministro plenipotenciário Sadatsuchi Uchida visitou Santos e contou com o apoio da Associação Comercial para conhecer o porto que receberia as futuras levas de seu povo.

Santos, 13 de setembro de 1907. Era uma manhã de primavera e o porto fervilhava de atividade quando um vapor vindo do Rio de Janeiro lançou âncora diante dos armazéns. Entre olhares curiosos, desembarcava o ministro plenipotenciário do Império do Japão no Brasil, Sadatsuchi Uchida, que viera conhecer de perto a estrutura portuária santista. Sua visita representava um passo decisivo para o acordo que, semanas depois, em 6 de novembro, seria firmado entre o governo paulista e a Companhia Imperial de Imigração de Tóquio, prevendo a vinda de três mil imigrantes — em sua maioria agricultores, mas também carpinteiros, pedreiros e ferreiros — para trabalhar nas lavouras de café do interior. As famílias, com cinco a dez pessoas cada, começariam a chegar a partir de 1908, inaugurando um novo capítulo na história paulista.

Em Santos, Uchida foi recebido com distinção pela diretoria da Associação Comercial, que o acompanhou em visitas ao cais, armazéns e à Alfândega, mostrando a infraestrutura portuária e o funcionamento dos bondes. À noite, um jantar de gala no Hotel Rotisserie Sportsman selou a recepção dos empresários locais. Antes de seguir para a capital paulista pela São Paulo Railway, Uchida registrou sua passagem no Livro de Ouro da Associação, tornando-se o primeiro a assinar em alfabeto estrangeiro — os elegantes ideogramas japoneses que impressionaram os presentes e marcaram simbolicamente o início da amizade entre os dois povos.

O diplomata do Sol Nascente

Sadatsuchi Uchida (内田 定槌) nasceu em 17 de janeiro de 1865, na vila de Saidosho, província de Fukuoka. De origem modesta, mudou-se jovem para Tóquio levando apenas uma mochila e o desejo de servir à sua pátria. Formou-se em Direito pela Universidade Imperial de Tóquio em 1889 e iniciou uma brilhante carreira diplomática, servindo como cônsul em Xangai, Seul e Nova York. Em 27 de dezembro de 1906 foi nomeado Ministro de Patentes e Cônsul-Geral do Japão no Brasil, chegando ao Rio de Janeiro em 20 de maio de 1907. Poucos meses depois, em 9 de outubro, foi promovido a Ministro Extraordinário e Plenipotenciário.

Ao visitar Santos, Uchida já trazia delineado o projeto que o consagraria: promover a emigração japonesa de forma organizada e duradoura. Mais do que enviar trabalhadores, queria criar comunidades autossuficientes, com acesso à terra e condições para prosperar. Acreditava que o verdadeiro desenvolvimento de seu povo viria da fixação em colônias produtivas, sustentadas pelo trabalho e pela educação. Por isso, empenhou-se pessoalmente em garantir aos imigrantes dignidade e boas condições de acolhimento.

Os primeiros anos foram desafiadores. Diferenças de idioma, hábitos e costumes geraram choques culturais e desconfiança. No fim de 1908, uma cláusula orçamentária com a expressão “imigrantes asiáticos excluídos” ameaçou a continuidade do acordo. Uchida reagiu com firmeza, procurando o Barão do Rio Branco, então chanceler brasileiro. Recebeu a garantia de que o tratado de amizade de 1895 assegurava igualdade de direitos aos japoneses, encerrando a crise com elegância diplomática.

Durante sua missão, Uchida também testemunhou gestos que estreitaram a amizade entre os países. Em 1908, o navio-escola Benjamin Constant resgatou marinheiros japoneses do Takaku Maru; em 1910, o cruzador Ikoma visitou o Brasil como símbolo de retribuição. Já prestes a retornar ao Japão, Uchida fez questão de recepcionar a missão naval, coroando sua trajetória de diplomata sensato e visionário.

Faleceu em 2 de junho de 1942, em Tóquio, mas deixou como legado o elo duradouro entre o Japão e o Brasil. Graças a seu empenho, o Kasato Maru aportou em Santos em 18 de junho de 1908 com 165 famílias — 781 pessoas — que iniciaram o primeiro capítulo da imigração japonesa no país.

Na assinatura do livro: “Cônsul do Império do Japão”. S. Uchida – Minister of Japan to Brazil – September 13, 1907

O mundo em movimento

O início do século XX foi um tempo de grandes deslocamentos. Guerras, crises e o crescimento populacional empurravam multidões da Europa e da Ásia em busca de novos horizontes. No Japão, a escassez de terras e a pressão demográfica exigiam soluções; no Brasil, a lavoura cafeeira carecia de trabalhadores estáveis após o fim da escravidão e o declínio da imigração europeia.

Foi nesse contexto que o encontro de 1907, em Santos, se tornou um marco silencioso, mas importante. A visita de Sadatsuchi Uchida à Associação Comercial seria o prenúncio de uma história de integração que uniria duas nações pelo trabalho, pela cultura e pela esperança, pois da semente lançada no cais santista brotaria o laço que, mais de um século depois, ainda floresce no Brasil.

Alguns meses depois da passagem de Uchida à Associação Comercial, chegava o primeiro navio com imigrantes japoneses ao Brasil, o Kasato Maru

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